quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Nunca é tarde demais para registrar...

Por Fernanda Mello



Na madrugada de hoje sonhei com a presidente Dilma Rousseff.

Fiz parte dos mais de 44,5 milhões de brasileiros que votaram em seu adversário José Serra e lamentei profundamente por ele não ter sido eleito.

A despeito das inúmeras ressalvas que tenho sobre Dilma e aos acontecimentos ligados a sua campanha, incluindo a forma imoral do uso da máquina pública e desrespeito completo às leis pelo então Presidente Lula para eleger sua sucessora, há um único aspecto que me faz ter orgulho de sua vitória: o significado histórico de uma mulher conseguir, num sistema democrático, assumir a presidência da República do Brasil.

A primeira eleitora brasileira foi a potiguar Celina dos Guimarães Viana, que invocou o artigo 17 da lei eleitoral do Rio Grande do Norte, de 1926: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por lei”. Em 25 de novembro de 1927 ela deu entrada numa petição requerendo sua inclusão no rol de eleitores do município. O juiz Israel Ferreira Nunes deu parecer favorável e enviou telegrama ao presidente do Senado Federal, pedindo em nome da mulher brasileira, a aprovação do projeto que instituía o voto feminino, amparando seus direitos.




Mais de 80 anos depois, uma mulher sobe a rampa do Planalto e inicia o ano de 2011 com a árdua tarefa de governar uma nação com mais de 190 milhões de habitantes. Progredimos muito desde a iniciativa da potiguar Celina Guimarães.

A eleição já se foi, assim como a cerimônia de posse, mas nunca é tarde demais para fazer o registro da história.

Esta conquista deve ser muito valorizada por todas, deixando de lado qualquer convicção política. Este acontecimento solidifica nossa democracia e se torna um marco para as mulheres que arduamente lutam pelo respeito da individualidade feminina e pelos direitos da mulher cidadã.

Infelizmente em muitas sociedades, antigas e atuais, as mulheres sempre foram reduzidas a função de conceber, gestar e educar os filhos. Embora participem de conquistas ao lado dos homens, permanecem na obscuridade e anonimato.

Acho interessante ressaltar que encontramos nas antigas civilizações egípcia e egéia, uma realidade oposta. A mulher egípcia gozava de mais honrarias e poderes do que as mulheres de toda a antigüidade, compartilhando com o chefe da família todos os privilégios. Por sua posição destacada na hierarquia social, chegou mesmo a suceder no trono em muitas dinastias. Sua natureza fecundante era divinizada. Na civilização Egéia, a mulher gozou de completa igualdade de direitos dos homens, participando de atividades públicas e privadas, além de competições esportivas como lutadora e toureira.

Dilma foi eleita e espero que seu governo seja avaliado de forma justa, sem que haja qualquer tipo de represália machista e estúpida diante de deslizes que venha a cometer.Suas competências e habilidades podem e devem ser questionadas, mas jamais poderá ser admitido o pensamento infundado de que “Tinha que ser mulher para fazer isso”.

Na campanha de Dilma um dos recursos de apelo popular era o de que havia chegado o momento de uma mulher governar o Brasil. Uma imagem matriarcal foi lhe dada, como se a partir do instante em que fosse eleita a candidata se portaria como a “mãe dos brasileiros”. Sempre achei este um raciocínio distorcido. Ao mesmo tempo em que devemos valorizar a conquista histórica da presidência por uma mulher, isso não deveria ser colocado como aspecto fundamental para sua escolha. Não me envolvo com apelos dessa natureza. Não faço minhas escolhas políticas porque se trata de um homem ou mulher, um operário ou sociólogo, um negro e um branco. Faço minhas escolhas de acordo com o que penso sobre trajetória política, capacidade, mérito, e propostas de cada um.

Espero que as futuras avaliações populares não se pautem pelo fato dela ser uma mulher, embora um dos argumentos para que fosse eleita fosse este. Espero que seja avaliada por suas ações como a maior autoridade do país, assim terei a convicção de que a vitória histórica e emblemática para as mulheres brasileiras aconteceu de forma categórica.





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